Aversão à Perda: Por que o mal é mais forte que o bem?
- renatobaldissera

- 19 de jul.
- 3 min de leitura
Imagine a seguinte aposta: cara ou coroa. Se sair coroa, você perde 100 dolares. Se sair cara, você ganha R$ 150,00. Você aceitaria essa aposta?
Esse foi um dos experimentos utilizados por Daniel Kahneman em seus estudos sobre a Teoria da Perspectiva, que busca entender como tomamos decisões em contextos de risco e incerteza. A ideia é refletir sobre o benefício psicológico de ganhar 150 dolares versus o custo psicológico de perder 100 dolares. Embora o valor esperado da aposta seja positivo (afinal, o possível ganho é maior que a perda), a maioria das pessoas não aceita a proposta.
Isso acontece porque o medo de perder 100 dolares é mais intenso do que a expectativa de ganhar 150 dolares. Kahneman demonstrou, a partir de diversos experimentos, que as perdas pesam mais do que os ganhos, o que evidencia um traço comum: a aversão à perda. Ainda que existam exceções — como investidores experientes que toleram mais riscos —, esse comportamento é predominante nas decisões cotidianas.
Quando o risco parece atraente
Outro aspecto interessante revelado pela Teoria da Perspectiva é o chamado efeito de atração ao risco em contextos de perda. Quando alguém se vê diante de duas opções negativas — por exemplo, uma perda certa e outra perda maior, porém incerta — tende a assumir mais riscos, na esperança de evitar o pior cenário.
Esse comportamento é comum entre traders amadores do mercado financeiro. Ao perceberem que estão perdendo em uma operação, muitos aumentam suas apostas para tentar recuperar o prejuízo. Kahneman ilustra isso dizendo: “a dor de perder novecentos dólares é mais intensa quanto a dor de perder mil dólares”. Essa sutil diferença faz com que as pessoas aceitem riscos maiores quando já estão em desvantagem.
A negatividade domina a positividade
A aversão à perda está ligada a um mecanismo mais amplo do nosso funcionamento mental, em que a negatividade domina a positividade. O cérebro humano é naturalmente mais sensível a estímulos negativos, pois isso foi fundamental para a sobrevivência da espécie.
Imagine observar uma multidão onde só é possível ver os olhos das pessoas. Você perceberia várias expressões, mas uma única expressão de raiva com olhos esbugalhados chamaria sua atenção de imediato — ignorando todos os olhares simpáticos ao redor.
Esse padrão é resultado de um sistema mental preparado para detectar ameaças, reduzindo drasticamente o tempo necessário para identificar um possível perigo. Por isso, notícias ruins têm mais impacto, são mais lembradas e geram mais engajamento. Não por acaso, a mídia explora a negatividade para atrair audiência.
Nos relacionamentos, o negativo também pesa mais
O psicólogo John Gottman, especialista em relações conjugais, demonstrou em seus estudos que o sucesso de um relacionamento está mais ligado à evitação de interações negativas do que à busca constante por interações positivas.
Segundo ele, um bom relacionamento exige uma proporção de cinco interações positivas para cada negativa. Isso reforça o que todos intuitivamente sabemos: um único gesto ruim pode destruir uma amizade ou relação construída ao longo de anos.
Metas: perdas e ganhos emocionais
Outro reflexo da aversão à perda aparece na forma como lidamos com metas pessoais ou profissionais. Não atingir uma meta é percebido como uma perda, enquanto superá-la é interpretado como um ganho. Mas, conforme a lógica da Teoria da Perspectiva, a dor de falhar é mais poderosa do que o prazer de ultrapassar um objetivo.
Por isso, muitas pessoas se esforçam intensamente para atingir metas de curto prazo, mas reduzem o esforço ao alcançá-las, em vez de buscar ir além. A motivação principal não é o ganho adicional, mas o medo de fracassar.
Conclusão
A Teoria da Perspectiva mostra como nossas decisões nem sempre seguem a lógica racional. A aversão à perda, a atração ao risco em contextos negativos e a sensibilidade à negatividade moldam não apenas nossas escolhas financeiras, mas também nossos relacionamentos, metas e reações emocionais.
Entender esse funcionamento pode nos ajudar a tomar decisões mais conscientes e equilibradas — reconhecendo quando estamos sendo guiados por medos automáticos em vez de análises racionais.
📚 Referência: KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
Autor: Renato Baldissera Economista e estudioso do comportamento humano nas relações de trabalho, gestão e vendas. Criador da Capital Interno
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Medo da perda é sempre um desafio emocional