A sensação de urgência
- renatobaldissera

- 5 de ago.
- 6 min de leitura
Atualizado: 10 de ago.
Caio era um vendedor incansável. Passava seus dias entre clientes, metas e prazos. Acordava antes do sol nascer com o coração acelerado e a sensação de que já estava atrasado.
Um dia, depois de uma semana especialmente difícil, decidiu se afastar da cidade e subir uma montanha próxima. Precisava pensar. Precisava respirar e ficar sozinho.
No topo, encontrou um homem de barba branca e olhos serenos, com um chapéu preto com abas largas e caídas, sentado diante de uma fogueira. Vestia um manto azul e parecia não ter pressa para nada. Caio, intrigado, se aproximou.
Caio: Olá, quem é você?
Mago: Sou um velho que gosta de fogueira e silêncio. Gostaria de saber quem é você?
Caio: Sou Caio, subi até aqui na esperança de ficar sozinho e descansar minha mente. Mas, infelizmente vi que não vou conseguir.
Mago: Realmente, você nunca ira conseguir silenciar sua mente. Mesmo isolado de tudo. Sente aqui vamos conversar e beber um chá juntos.
Caio: Não tenho outro escolha... (risos)
Mago: Perimita que eu me apresente, sou um mago que já experiência tudo que existe nesse mundo e sei perfeitamente o que você esta sentindo. está ansioso e com medo de muitas coisas, você esta sufocado e confuso frente a tantas demandas da vida, certo?
Caio: Uau, você realmente é um mago? Sinto exatamente isso.
Mago: Sim, minha missão nesse mundo ajudar a humanidade a diminuir seus sofrimentos e encontrarem a verdadeira paz.
Caio: Muito interessante. Vamos ver se você realmente pode me ajudar a resolver essa confusão dentro de mim. Eu acordo todas as manhãs com um aperto no peito. Antes mesmo de abrir os olhos, já sinto que estou atrasado. Tenho medo de não dar conta de tudo. É como se algo terrível fosse acontecer se eu não cumprir cada exigência do dia.
Mago: Certo, lhe ajuda se prometer que vamos conversar todas as noites, até você ficar mais aliviado. O que você sente não é o dia que começou, é a sua mente correndo na frente dele. É o medo tentando controlar o que ainda nem aconteceu. E você nunca teve controle — nem precisava ter, simplesmente solte esse peso.
Caio: Não posso simplesmente “soltar”. Tenho dívidas para pagar, clientes esperando, uma família para sustentar. Se eu não controlar, tudo desmorona.
Mago: Você chama de obrigações aquilo que, muitas vezes, são apenas pensamentos com prazos. O mundo lá fora não está te cobrando neste exato momento — é a sua mente que está. Ela é especialista em criar urgência artificial. Esse é um truque antigo que, no mundo dos homens, chamam de viés da urgência: a sensação de que tudo precisa ser resolvido agora, mesmo quando não há ameaça real.
Caio: Mas e se tudo desmoronar?
Mago: O medo que você sente é real. O cenário que ele pinta, não. Esse é o viés de aversão à perda: sofremos mais com a ideia de perder algo do que nos alegramos ao ganhar. E, preso nisso, você reage, mas não cria.
Caio: Então eu deveria ignorar tudo?
Mago: Não. Deve ver tudo, mas com presença. O que precisa ser feito se mostrará, mas não a partir do pânico. Responsabilidades podem ser cumpridas sem carregar o peso do “salvador”. Obrigações não são você. Nem mesmo seus pensamentos são você.
Caio: Mas por que, mesmo sabendo disso, quero controlar tudo?
Mago: Porque você acredita que só terá paz quando tudo estiver resolvido. Isso é o viés do status quo: achar que a vida só ficará bem quando nada mais mudar. Mas a vida é mudança. Sempre haverá algo novo para temer. A paz está aqui, agora, onde nada precisa estar pronto.
Caio: E como sei quando estou reagindo e quando estou agindo com presença?
Mago: Quando há pressa, há ego. Quando há clareza, há consciência. A presença não teme o próximo momento nem vive para agradar a opinião alheia. Ela age com responsabilidade, mas não é empurrada pelo medo.
Caio: Mas eu temo… perder, falhar, ser criticado, não ser suficiente.
Mago: Então olhe para o medo. Não lute contra ele. Veja-o, sinta-o, mas perceba quem é que está vendo. Você vai notar: o medo está na mente, e você não é a mente.
Caio: Então… nem o medo, nem as minhas reações, nem mesmo essa voz que me diz “eu” sou eu de verdade?
Mago: Exato. Esse “eu” que se desespera é apenas uma construção. Você é o que observa — e isso, Caio, não desmorona.
Caio: É muito fácil falar, mas na pratica as coisas ruins parecem tomar uma dimensão maior e mais forte na nossa mente.
Mago: Verdade, as coisas negativas pesam mais que as positivas, pois tememos mas perder do que ganhar por natureza. Mas olhe para sua vida por alguns minutos por favor.
Caio: Olhando friamente, minhas vendas estão indo bem, a comissão veio boa nesse mês, e pela primeira vez em muito tempo eu consigo pagar todas as contas do mês.
Meu coração está tranquilo. Estou confiante. Entretanto, parece que isso não vai durar.
O Mago: E por que essa paz duvidosa?
Caio: Porque o dinheiro está no lugar. Porque as contas estão pagas. Porque, por enquanto, tudo está sob controle.
O Mago: Então sua paz depende de uma fatura paga? De uma meta batida?
Caio: É... no fundo sim. Mas eu sei que isso não dura.
Tem um pensamento que já começa a rondar: “e o próximo mês?”
Essa paz está ameaçada antes mesmo de acabar o mês.
O Mago: Isso não é paz, Caio. É apenas uma trégua.
A sua mente está em paz só enquanto o mundo externo coopera.
Mas essa trégua tem dono: o dinheiro.
Caio: Mas como não se importar com o dinheiro?
Eu vivo disso. Eu pago o aluguel, compro comida. Não é possível viver no mundo sem ele.
O Mago:
Sim, o dinheiro é uma ferramenta. Mas você não está usando uma ferramenta. Você está sendo usado por ela.
Você repousa na ilusão da estabilidade. E quando ela balança, você balança junto.
Caio: (em silêncio)
O Mago: Observe.
Veja como sua mente vive em função do que pode acontecer.
A ansiedade do mês que vem já contamina a tranquilidade de hoje.
A sua confiança está hipotecada pelo futuro.
Caio:
Mas como viver sem esse medo?
Como manter a lucidez mesmo quando as finanças não vão bem?
O Mago:
A verdadeira segurança não vem do saldo na conta.
Ela vem do reconhecimento de que você não é o saldo na conta.
Você é a consciência que observa o medo e a paz indo e vindo.
Tudo é impermanente e mutável.
Caio: Então a paz real não depende do que eu tenho, mas de quem eu sou?
O Mago: A paz real não depende. Ela é.
Ela está aqui, mesmo quando o dinheiro falta.
Mesmo quando tudo parece ruir.
Mas para acessá-la, você precisa morrer para a ilusão do controle.
Você precisa deixar de buscar paz nas flutuações da vida.
Caio:
É difícil... mas é verdade.
E eu sinto que mesmo essa confiança de hoje está viciada.
Ela está acorrentada ao dinheiro.
O Mago:
Então solte.
Apenas observe essa confiança e esse apego.
Não lute contra eles. Mas também não se agarre.
Tente olhar para algo bom agora novamente.
Caio: (em silêncio, respirando profundamente)
Percebi hoje que mesmo com pouco dinheiro, meus filhos estavam sorrindo, saudáveis, brincando. E minha esposa me deu um abraço antes de sair.
Isso me deu um sentimento de paz maior do que qualquer comissão já deu.
O Mago:
Esses são os verdadeiros dividendos da vida.
Mas veja... sua mente estava treinada a ignorar tudo isso até que o dinheiro estivesse certo.
Você estava adiando o desfrute da vida.
Caio: É mesmo.
Eu esperava o saldo da conta subir para me permitir ver o que já estava presente.
O Mago:
O coração humano precisa de amor, de vínculos, de saúde, de tempo.
O dinheiro pode facilitar algumas dessas coisas, mas ele não é a origem de nenhuma delas.
Olhe novamente para o que você tem. Veja onde está a verdadeira riqueza. Reflita sobre isso e volte outro dia para conversarmos.
Caio: Entendi, vou para casa agora ver meus filhos. Outro dia volto conversar com o senhor novamente.
Mago: Claro, fique sempre à vontade. Sempre estarei aqui.
Epílogo
Na descida da montanha, Caio sentia o mesmo vento frio no rosto, mas não o mesmo peso no peito. Não havia perdido as dívidas, nem os prazos, nem as responsabilidades. Mas havia perdido a urgência que o escravizava.
Descobriu que não precisava controlar tudo para cumprir o que era necessário — e que, muitas vezes, a mente exagera perigos para nos manter presos no medo.
Descobriu também que o principal medo dele era a escassez financeira que o levava a trabalhar muito e com urgência, mas viu que haviam outras coisas muito importantes que por causa da pressa e ganhar dinheiro não conseguia.
O mago não lhe deu fórmulas, apenas clareza. E clareza, ele percebeu, vende melhor que qualquer produto.
💡 Reflexão para aplicar hoje: Antes de agir no automático, pergunte-se: estou tomando esta decisão porque é necessária ou porque tenho medo de algo? Esse medo realmente é real?
Autor: Renato Baldissera
Criador da Capital Interno
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